O QUARTO SABIO
Cena 1
(Palácio do Rei da Pérsia)
Artaban
entra em cena, com uma luneta.
Artaban –
Pai! Pai! Eu consegui, pai!
Rei da
Pérsia (pai de Artaban) – Conseguiu o que, meu filho.Artaban – Eu consegui avistar a estrela com o meu equipamento. Aquela estrela especial, meu Pai, que eu via procurando há muito tempo, que Baltazer, Belquior e Gaspar já haviam avistado.
Pai – Que bom, meu filho. Eu não falei que você a sua sabedoria não é nada menor do que as dos três sábios. Continue assim. E prossiga em seus estudos.
Artaban – Ah, pai. Também é sobre isso que eu queria lhe falar. Eu...
O ministro do Rei da Pérsia entra em cena.
Ministro – Ora, ora. Se não é o jovem Artaban, entendido em toda sorte de conhecimento. Desde medicina até a astronomia. A mente brilhante que irá da continuidade a dinastia de reis sábios de nosso país, a Pérsia.
Pai – Pois é, Sheridan. Esse meu filho, cada dia que passa, me dá mais orgulho. Saiba você que ele, com seu equipamento, conseguiu avistar a estrela. Aquela mesma estrela que os três sábios conseguiram. Não é um portento o meu filho.
Ministro – E com certeza não vai achar que essa estrela não é um sinal indicando o nascimento de um rei, como assim conceberam aqueles três sábios, que a meu ver não são lá muito sábios, por isso.
Artaban – É justamente isso que eu vim lhe falar, pai. Eu... eu... eu também pretendo partir em busca desse rei.
Ministro e Rei se espantam.
Artaban – É verdade, meu pai. Não é uma estrela qualquer. Os pesquisadores consideram todos os astros iguais. Até o momento que, pela fé, notam algumas diferenças entre eles.
Ministro – Fé? O que isso. Será que seus estudos não mostram que fé e ciência não andam juntas?
Artaban – E aí que você se engana. Muitos pensam que o estudo afasta da fé, mas aproxima.
Ministro – O que é isso? Bom, majestade. Acho que nos precipitamos em considerar Artaban como o próximo do Trono. Os estudos, ao invés de ajudarem-no, enlouqueceram-no.
Ministro sai de cena.
Rei – Meu filho. Tem certeza que é isso que você quer.
Artaban – Nunca estive tão certo de alguma coisa, Pai.
Rei – Bom, se é assim, vou convocar um escravo para lhe acompanhe durante toda a viagem até que volte. Orantes! Orantes!
Orantes entra em cena.
Orantes – Chamou-me, majestade?
Rei – Sim. Orantes. Artaban vai fazer uma longa viagem. Acompanhe-o.
Orantes – Mas temos tanto o que fazer aqui, majestade.
Artaban – Vá e não conteste as minhas ordens. Mas fique sossegado que, em troca, você ganhará a sua liberdade.
Cena 2
(Deserto)
Orantes – Será que eles não morreram pelo caminho.
Artaban – Orantes. Se tivessem morrido pelo caminho, com certeza encontraríamos vestígios de seus corpos. Pode confiar, pois minhas coordenadas segundo eles próprios me deram tem uma margem de erro mínima. Não se esqueça de que somos astrônomos. Orantes, olha que beleza.
Artaban mostra três lindas pedras preciosas para Artaban que estavam num saquitel.
Orantes – Que pedras lindas, majestade. Por que as trouxe consigo?
Artaban – Para presentear o Rei que está para nascer.
Orantes – O rei.
Orantes – É, o rei de Israel. Ele será o que demarcará a plenitude dos tempos. Foi esse o sinal que a estrela me indicou.
Orantes – Mas você acha que será fácil, alteza, já que Israel é um povo disperso.
Artaban – Todavia, segundo o que me disseram Baltazar, Belquior e Gaspar, devo me dirigir para uma cidade específica. Belém da Judéia.
Orantes – Belém da Judéia? Mas a critica sobre os três sábios foi justamente que essa cidade jamais seria um local de nascimento de um Rei, alteza. Não é melhor alterarmos o caminho.
Artaban – Não, Orantes. Se o sinal do Deus de Israel indicou para Belém, é para Belém que nós vamos.
Orantes – O senhor é quem sabe, alteza.
Cena 3
(Estrebaria
de Belém)
Orantes – Está vendo alteza. Não o encontramos. Por isso podemos retornar à Pérsia.
Artaban – Nada disso, Orantes. Não encontramos Gaspar, Belquior e Baltazar. Mas a nossa busca não é pelos sábios, e sim pela sabedoria.
Orantes – Que sabedoria?
Artaban – Sabedoria é encontrar o sentido da vida. E para mim, encontrar esse rei significa o sentido da vida. (à mulher) E essa linda criança.
Mulher – É meu filho. Mas tenho que escondê-lo. Herodes mandou matar todos os bebês.
(Fora de cena, um soldado grita).
Soldado – Tem alguém aí?
Mulher – São eles!
Artaban – Venha, vamos escondê-la.
Artaban e Orantes escondem-na. O soldado entra em cena.
Soldado – Onde está? Onde está a criança? O grande Rei Herodes disse que toda a criança abaixo de dois anos deveria morrer, pois estão dizendo que um pretenso rei nasceu nesse período de tempo. Onde está?
Artaban – Não há nenhuma criança aqui?
Soldado – Ah, é. Então por que parecíamos ouvir choro de criança?
Artaban – Você deve ter se confundido. Talvez tenha ouvido os animais e pensado que se tratava de uma criança.
Soldado – Não quero saber. Não saio daqui enquanto não encontrar essa criança.
Artaban – É... Soldado. Não quer aceitar um presente e em troca ir embora?
Soldado – Que presente?
Artaban – Tenho aqui uma pedra preciosa que vale uma fortuna.
Orantes – Alteza, não faça isso.
Artaban – Pegue.
O soldado examina a pedra preciosa, se apodera dela e vai embora.
Orantes – Alteza, você deu para aquele soldado uma fortuna.
Artaban – Nada mais valioso que preservar uma vida, ou melhor, duas vidas.
Artaban tira a mulher do esconderijo.
Artaban – (à mulher) Venha conosco. Fique tranqüila que o perigo já passou. Vamos deixá-la num lugar bem seguro.
Artaban, Orantes e a mulher com o bebê saem de cena.
(Vila de leprosos)
Artaban,
Orantes, um cego e um leproso em cena.
Orantes –
Alteza. Tem certeza mesmo de que quer ir para o Egito.O cego dá um encontrão em Orantes.
Orantes – O que é isso? Não olha por onde anda.
Cego – Não.
Artaban e Orantes – Não?!
Cego – Senhores. Eu sou cego.
Artaban – E por que caminha por aí como se enxergasse.
Cego – Senhores, estou em busca de ajuda. Meu irmão, aquele que está naquela distância de um tiro de pedra.
Artaban – Sim, estamos vendo. O que ele tem?
Cego – Ele é leproso. Minha família toda tem esse mal. Menos eu. Em compensação, fiquei cego bem pequenino. Talvez pelo trauma de enxergar toda a minha família com essa mal.
Artaban – Não se preocupe. Eu sou médico. Vou cuidar do seu irmão. De seu irmão e de você.
Orantes – Mestre, não temos tempo a perder. Vamos logo para o Egito. Melhor ir para o Egito do que ficar numa vila de leprosos.
Artaban – Chega, Orantes. Pare com essa mesquinharia. Temos todo o tempo para encontrar o Rei de Israel. Agora essas vidas precisam dos meus conhecimentos em medicina urgentemente. (dá a mão para o cego). Venha.
Se aproxima do leproso e vai cuidando de suas feridas.
Cena 5
(Vila dos Leprosos)
Passagem
de tempo. Para exprimir essa passagem, talco no cabelo dos personagens e barbas
brancas postiças.
Orantes – (levantando-se
com dificuldade) Alteza, já se passaram trinta e três anos! Será que você
não vê que seu país precisa de você. Será que é tão cego?Artaban – Você é o pior cego, pois não quer enxergar que sou muito mais útil nessa vila do que em meu país, que é cercado de entendidos de todos os assuntos.
Orantes – Mas alteza?
O personagem que era cego, entra em cena, curado ( e também envelhecido).
Cego – Artaban! Artaban! Estou curado! Estou curado!
Orantes – Não é possível. Quem nessa redondeza tem mais conhecimento em medicina que Artaban? Quem?
Cego – (ao público) Jesus! Jesus de Nazaré!Orantes – Quem é esse tal de Jesus de Nazaré?
Cego – Uns dizem que ele é um profeta, outros dizem que ele é um Rei, mas para mim, como um dos discípulos dele diz, é o filho do Deus vivo.
Artaban – É ele.
Orantes – Alteza, não é melhor verificar.
Artaban – Orantes. Você é o pior cego mesmo, que além de não querer enxergar, não quer nem mesmo a cura. Venha, Orantes. A propósito, pegue uma daquelas pedras no meu saquitel e deixe para esses habitantes da vila. Vão precisar de dinheiro para os curativos.
Cego – (se aproxima de Artaban) Obrigado por tudo, Artaban.
Artaban sai de cena, caminhando com dificuldade, devido à velhice.
Cena 6
(Crucificação)
Jesus
está em cena, crucuficado.
Jesus –
Está consumado!Artaban, vendo a cena de braços dados com Orantes, respirando com dificuldade.
Artaban – Viu, Orantes. Está consumado.
Apaga a luz.
Cruz Vazia
Apaga luz
Artaban – Como assim, Senhor.
Jesus - Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me.
Artaban – Quando, Senhor?
Jesus - Quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.
Artaban morre, nas mãos de Orantes. Jesus sai de cena.
Orantes – (chorando e olhando para o público) E agora? Para onde eu irei? Para Pérsia? Não (enxuga as lágrimas e sorri, olhando para Artaban)
Orantes – Para a Vila dos Leprosos.
Acaricia o cabelo de Artaban.
Fim